sexta-feira, 3 de janeiro de 2014

Diagnóstico e Classificação da Hipertensão Arterial Sistêmica.

INTRODUÇÃO E DEFINIÇÕES 

A hipertensão arterial sistêmica (HAS) pode ser conceituada como uma doença crônico-degenerativa de natureza multifatorial, na grande maioria dos casos assintomática, que compromete fundamentalmente o equilíbrio dos sistemas vasodilatadores e vasoconstritores que mantêm o tônus vasomotor, o que leva a uma redução da luz dos vasos e danos aos órgãos por eles irrigados. 

Na prática, a HAS é caracterizada pelo aumento dos níveis pressóricos acima do que é recomendado para uma determinada faixa etária. 

EPIDEMIOLOGIA

A HAS é um dos problemas de saúde pública mais importantes no mundo, já que é um importante fator de risco para a ocorrência do acidente vascular cerebral e o infarto agudo do miocárdio. 

Apesar de apresentar alta prevalência (no Brasil de 22 a 44%), ainda existe uma grande porcentagem de indivíduos que desconhecem serem portadores da HAS. Dos pacientes que sabem do diagnóstico, cerca de 40% ainda não estão em tratamento. Além disso, apenas uma pequena parcela dos pacientes está com os níveis de pressão arterial devidamente controlados (nos EUA, em torno de 34%). 

A prevalência da HAS aumenta com a idade (cerca de 60 a 70% da população acima de 70 anos é hipertensa). Em mulheres, a prevalência da HAS apresenta um aumento significativo após os 50 anos, sendo esta mudança relacionada de forma direta com a menopausa. 

Com relação à raça, além de ser mais comum em indivíduos afrodescendentes (especialmente em mulheres), a HAS é mais grave e apresenta maior taxa de mortalidade. A má adesão ao tratamento (incluindo a maior dificuldade de acesso ao atendimento médico) infelizmente adiciona maior risco à raça negra. 

Outros fatores que contribuem para a HAS são o excessivo consumo de sal e álcool, a obesidade e o sedentarismo.

Portanto, em decorrência da alta morbimortalidade associada à HAS e dos custos elevados para o seu tratamento (principalmente o custo de suas conseqüências), torna-se imprescindível um diagnóstico e o tratamento adequados para a modificação da história natural da doença hipertensiva.


MEDIDA DA PRESSÃO ARTERIAL

A medida da pressão arterial (PA) é o elemento chave para o estabelecimento do diagnóstico da HAS. De acordo com as V Diretrizes Brasileiras de Hipertensão Arterial, classificamos os níveis de PA para pessoas com mais de 18 anos de conforme a Tabela 1. 

A publicação do VII JNC (Joint National Committee) em 2003 forneceu uma nova classificação da hipertensão arterial e introduziu o conceito de pré-hipertensão, em que pacientes com PA limítrofe, que possuem um maior risco de eventos cardiovasculares que pacientes normotensos (Tabela 2).

Tabela 1: Classificação da pressão arterial segundo os valores da pressão arterial sistólica e da pressão diastólica, segundo as V Diretrizes Brasileiras de Hipertensão Arterial

Classificação da pressão arterial
Pressão arterial sistólica (mmHg)
Pressão arterial diastólica (mmHg)
Ótima
< 120
e
< 80
Normal
< 130
e
< 85
Limítrofe
130 a 139
ou
85 a 89
Estágio 1
140 a 159
ou
90 a 99
Estágio 2
160 a 179
ou
100 a 109
Estágio 3
³ 180
ou
³ 110
Hipertensão sistólica isolada
> 140
e
< 90
Fonte: V Diretrizes Brasileiras de Hipertensão Arterial, 2006.

Tabela 2: Classificação da pressão arterial segundo os valores da pressão arterial sistólica e da pressão diastólica, segundo o VII Joint National Committee

Classificação da pressão arterial
Pressão arterial sistólica (mmHg)
Pressão arterial diastólica (mmHg)
Normal
< 120
e
< 80
Pré-hipertensão
120 a 139
ou
80 a 89
Hipertensão estágio 1
140 a 159
ou
90 a 99
Hipertensão estágio 2
³ 160
ou
³ 100
Fonte: Modificado de Chobanian AV, Bakris GL, Black HR et al. The seventh report of the Joint National Committee on prevention, detection, evaluation, and treatment of high blood pressure. JAMA 2003; 289:2560-72.

A observação sistemática da sequência dos procedimentos expostos a seguir (Tabela 3) evita erros diagnósticos. A medida da pressão arterial de forma indireta, com método auscultatório, utilizando-se esfigmomanômetro aneróide ou de coluna de mercúrio devidamente calibrados, ainda é considerada o método mais custo-efetivo. 

A medida ambulatorial da pressão arterial (MAPA) e a medida residencial da pressão arterial (MRPA) são ferramentas diagnósticas auxiliares de grande utilidade em situações específicas, que serão citadas mais adiante.

Tabela 3: Procedimento correto para aferição da pressão arterial

Procedimentos gerais
Explicar o procedimento ao paciente
Repouso de pelo menos 5 minutos em ambiente calmo
Evitar bexiga cheia
Não praticar exercícios físicos 60 a 90 minutos antes
Não ingerir bebidas alcoólicas, café ou alimentos e não fumar 30 minutos antes
Manter pernas descruzadas, pés apoiados no chão, dorso recostado na cadeira e relaxado
Remover roupas do braço no qual será colocado o manguito
Posicionar o braço na altura do coração (nível do ponto médio do esterno ou 4º espaço intercostal), apoiado, com a palma da mão voltada para cima e o cotovelo ligeiramente fletido.
Solicitar para que não fale durante a medida
Procedimento de medida da pressão arterial
Medir a circunferência do braço do paciente
Selecionar o manguito de tamanho adequado ao braço
Colocar o manguito sem deixar folgas acima da fossa cubital, cerca de 2 a 3 cm
Centralizar o meio da parte compressiva do manguito sobre a artéria braquial
Palpar a artéria braquial na fossa cubital e colocar a campânula do estetoscópio sem compressão excessiva
Inflar rapidamente até ultrapassar 20 a 30 mmHg do nível estimado da pressão sistólica
Proceder à deflação lentamente (velocidade de 2 a 4 mmHg por segundo)
Determinar a pressão sistólica na ausculta do primeiro som (fase I de Korotkoff), que é um som fraco seguido de batidas regulares e, após, aumentar ligeiramente a velocidade de deflação
Determinar a pressão diastólica no desaparecimento do som (fase V de Korotkoff)
Auscultar cerca de 20 a 30 mmHg abaixo do último som para confirmar seu desaparecimento e depois proceder à deflação rápida e completa
Se os batimentos persistirem até o nível zero, determinar a pressão diastólica no abafamento dos sons (fase IV de Korotkoff) e anotar valores da sistólica/diastólica/zero
Esperar 1 a 2 minutos antes de novas medidas
Informar os valores de pressão arterial obtidos para o paciente

Monitoração Ambulatorial da Pressão Arterial (MAPA) 

A MAPA é o método que permite avaliar o comportamento fisiológico da pressão arterial nas 24 horas. 

Entender este comportamento é importante em determinadas circunstâncias para o estabelecimento de estratégias terapêuticas e prognósticas.

Diversos estudos demonstraram a superioridade do método em predizer eventos cardiovasculares (infarto do miocárdio e acidente vascular cerebral) em comparação à medida casual da pressão arterial. 

A despeito disto, não há recomendação de indicar a MAPA no controle da HAS em todo o paciente hipertenso (ver indicações abaixo).

Em condições normais, ocorre uma queda de cerca de 10% da pressão arterial durante o sono (presença do descenso noturno - padrão dipper). 

Quando a queda é inferior a 10% ou ausente, consideramos aquele indivíduo como portador de descenso noturno alterado non-dipper. 

Apesar de algumas controvérsias (incluindo questões de reprodutibilidade da MAPA), este padrão tem sido correlacionado com um pior prognóstico cardiovascular em relação aos indivíduos que apresentam o descenso noturno. 

As principais indicações da monitoração ambulatorial da pressão arterial são:


  •          hipertensão de consultório ou “do avental branco”;

  •          avaliação da hipertensão arterial resistente;

  •          suspeita de episódios de hipotensão arterial sintomática;

  •          avaliação da eficácia da terapêutica anti-hipertensiva.

Monitoração Residencial da Pressão Arterial (MRPA) 

A MRPA é o registro da pressão arterial por método indireto, com 3 medidas pela manhã e 3 à noite durante a vigília, por 5 dias. 

Estas medidas devem ser realizadas com equipamento validado e podem ser realizadas pelo próprio paciente ou por outra pessoa, desde que previamente treinadas. Suas indicações são basicamente as mesmas da MAPA. 

Dados recentes da Sociedade Européia de Hipertensão recomendam que a MRPA deva ser realizada idealmente em todos os pacientes hipertensos como uma ferramenta adicional no controle pressórico. 

ABORDAGEM INICIAL NO CONSULTÓRIO

Na primeira consulta clínica, a medida da pressão arterial deve ser efetuada no mínimo por 3 vezes, com intervalo de 1 minuto entre cada uma delas. Deve-se aferir a PA nos membros superiores e considerar a medida com o maior valor, caso haja diferença entre eles. 

A pressão arterial nos membros inferiores também deve ser aferida na primeira consulta. Diferenças maiores de 20/10 mmHg devem levantar a suspeita de vasculopatia significativa, motivando investigação posterior.

Indivíduos diabéticos, idosos, etilistas ou que fazem uso de drogas anti-hipertensivas devem ser avaliados quanto à presença de hipotensão postural e disautonomia, avaliando-se a PA em posição supina, sentado e de pé.

A Tabela 4 mostra a rotina de seguimento dos hipertensos de acordo com seus níveis tensionais, e a Tabela 5 mostra os critérios de diagnóstico das condições clínicas mais comuns associadas com a medida da pressão arterial.

Tabela 4: Recomendação para seguimento (prazos máximos para reavaliação)

PA (mmHg)*
Seguimento
Sistólica
Diastólica
< 130
< 85
Reavaliar em um ano; estimular MEV
130 a 139
85 a 89
Reavaliar em 6 meses**; insistir em MEV
140 a 159
90 a 99
Confirmar em 2 meses**; considerar MAPA/MRPA
160 a 179
100 a 109
Confirmar em 1 mês**; considerar MAPA/MRPA
= 180
= 110
Intervenção medicamentosa imediata ou reavaliar em 1 semana**
*Se as pressões sistólica ou diastólica forem diferentes, usar a mais alta. **Considerar intervenção de acordo com a condição clínica do paciente

MEV = mudança do estilo de vida.

Tabela 5: Valores de pressão arterial no consultório, MAPA e MRPA que caracterizam a hipertensão do jaleco branco, a HAS mascarada e o efeito jaleco branco.

Consultório
MAPA
MRPA
Normotensão
< 140/90
< 130/80 média 24 h
£ 135/85
Hipertensão
= 140/90
> 130/80 média 24 h
> 135/85
= 140/90
£ 135/85 média vigília
£ 135/85
Hipertensão mascarada
< 140/90
> 135/85 média vigília
> 135/85
Efeito do avental branco
Diferença entre a medida da pressão arterial no consultório e da MAPA na vigília ou MRPA, sem haver mudança no diagnóstico de normotensão ou hipertensão.

HAS do Avental Branco, HAS Mascarada e HAS Refratária

Os valores da pressão arterial medidos em consultório podem ser maiores, semelhantes ou menores do que os obtidos durante a vigília pela MAPA ou MRPA. 

Essas diferenças possibilitam a classificação dos pacientes em 4 diferentes categorias: normotensão, hipertensão, Hipertensão do avental branco (hipertensão isolada de consultório) e hipertensão mascarada (normotensão do avental branco). 

A normotensão se caracteriza por valores normais de pressão arterial no consultório (abaixo de 140/90 mmHg) e na MAPA de 24 horas (igual ou abaixo de 130/80 mmHg) ou na MRPA (igual ou abaixo de 135/85 mmHg), enquanto que a hipertensão se caracteriza por valores anormais de pressão arterial no consultório (igual ou acima de 140/90 mmHg) e na MAPA de 24 horas (acima de 130/80 mmHg) ou na MRPA (acima de 135/85 mmHg). 

Define-se efeito do avental branco como o valor obtido pela diferença entre a medida da pressão arterial no consultório e da MAPA na vigília ou MRPA, sem haver mudança no diagnóstico de normotensão ou hipertensão. 

A Hipertensão do avental branco ocorre quando há valores anormais na medida da pressão arterial no consultório (igual ou acima de 140/90 mmHg) e valores normais de pressão arterial pela MAPA durante o período de vigília (igual ou abaixo de 135/ 85 mmHg) ou pela MRPA (igual ou abaixo de 135/85 mmHg). 

Alguns estudos apontam que a Hipertensão do avental branco apresenta risco cardiovascular intermediário entre normotensão e hipertensão. 

A hipertensão mascarada ocorre quando há valores normais na medida da pressão arterial no consultório (abaixo de 140/90 mmHg) e valores anormais de pressão arterial pela MAPA durante o período de vigília (acima de 135/85 mmHg) ou MRPA (acima de 135/85 mmHg). 

Embora não haja consenso, estudos prévios sugerem que tais pacientes têm maior prevalência de lesões de órgãos-alvo do que indivíduos normotensos.

Define-se hipertensão refratária ou resistente a hipertensão não controlada com o uso regular de 3 ou mais drogas em doses máximas, incluindo um diurético, avaliada por um dos instrumentos diagnósticos mencionados acima, de preferência as mediadas domiciliares. 

Portanto, PA muito elevada em uso de apenas 1 ou 2 medicamentos, uso de doses baixas ou pacientes má aderentes não podem ser considerados como portadores de hipertensão refratária. A real prevalência de HAS refratária é desconhecida, mas não é incomum. 

Assim, esses pacientes merecem especial atenção pela necessidade de investigação de causas secundárias e tratamento efetivo, já que possuem habitualmente maior risco cardiovascular.

EXAMES COMPLEMENTARES

Avaliação Inicial de Rotina para Todos os Pacientes Hipertensos.

Os seguintes exames devem fazer parte da avaliação de todos os pacientes hipertensos:

         urina tipo 1;

         dosagem de potássio e creatinina;

         glicemia de jejum;

         colesterol total, LDL, HDL, triglicérides;

         ácido úrico;

         eletrocardiograma convencional.

Exames complementares podem ser solicitados quando houver indicação clínica adicional ou necessidade de investigação de causas secundárias. 

Assim sendo, em pacientes hipertensos com diabetes ou com síndrome metabólica e hipertensos com 3 ou mais fatores de risco, recomenda-se pesquisa de microalbuminúria. Para pacientes com glicemia de jejum entre 100 e 125 mg/dL, recomenda-se determinar a glicemia 2 horas após sobrecarga oral de glicose. 

Em hipertensos estágios 1 ou 2 sem hipertrofia ventricular esquerda ao ECG, mas com 3 ou mais fatores de risco (portanto, não obrigatório), considerar o emprego do ecocardiograma para a detecção da hipertrofia ventricular esquerda. 

Para pacientes hipertensos com suspeita clínica de insuficiência cardíaca, considerar a utilização do ecocardiograma para avaliação da função sistólica e diastólica.  

DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL

Quando Investigar Hipertensão Secundária?Durante a avaliação de um paciente hipertenso, alguns achados da anamnese e do exame físico servem como indício de que causas secundárias podem estar presentes. 

Nestes casos, uma abordagem direcionada e criteriosa permite um correto diagnóstico, evitando os exames muitas vezes desnecessários e caros na investigação de hipertensão secundária. 

Indícios de Hipertensão Secundária

Os principais indícios de hipertensão secundária encontram-se na Tabela 6.


Tabela 6: Indícios de hipertensão secundária

Início de hipertensão antes dos 30 anos ou após os 50 anos de idade
Hipertensão arterial refratária à terapia
Relatos de roncos frequentes, pausas respiratórias frequentes durante a noite e sonolência diurna
Aumento de creatinina sérica
Exame de urina anormal (proteinúria ou hematúria)
Uso de fármacos e drogas que podem elevar a pressão arterial
Fácies ou biótipo de doença que cursa com hipertensão: doença renal, hipertireoidismo, acromegalia, síndrome de Cushing
Presença de sopros abdominais
Assimetria de pulsos femorais
Hipopotassemia espontânea (< 3 mEq/L)
Tríade de feocromocitoma: palpitações, sudorese e cefaléia de aparecimento concomitante e em crises

Causas de Hipertensão Secundária

As principais causas de hipertensão secundária estão na Tabela 7.


Tabela 7: Formas secundárias de hipertensão

Síndrome da apnéia obstrutiva do sono
Doença renal crônica
Hipertensão renovascular
Aldosteronismo primário
Coarctação da aorta
Síndrome de Cushing
Hipertensão induzida por drogas
Uropatia obstrutiva
Feocromocitoma
Doenças da tireóide ou paratireóide

CONCLUSÕES

A HAS é, e continuará sendo, uma doença altamente prevalente e com alto impacto negativo social. A identificação precoce dos hipertensos e o tratamento eficaz são de grande importância clínica nos planos individual e populacional. 

Uso de aparelhos calibrados, técnica precisa e identificação de causas possivelmente reversíveis são parte fundamental no manejo clínico desses pacientes.


Fonte: http://www.medicinanet.com.br/conteudos/revisoes/1430/diagnostico_e_classificacao_da_hipertensao_arterial_sistemica.htm

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